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terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Agulha


Buscarei no interior dos olhares
o lado de fora dos que passam.
Porque se peço
nada dizem
e se exagero
nada mostram.

Temem a raridade
dos sentimentos que não permitem
e assim
nada gritam.

Mas emudecem seus corações
de tal maneira
que a estampa clara do que apresentam
disfarçam
e fico aqui como um astronauta
pisando luas por descobrir.

Nesse tratado de espaço vivo
um dia talvez encontre você:
avise e me toque,
exagere
explicite
e passe o oxigênio
se ainda respiro

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Condutos

Uma vinda para casa
uma chave de tesouro imaginário
um pássaro
uma gota d´água no microscópio.
Você.
Poesias cantadas na banalidade da rotina
assustadoras como lírios ou margaridas.
Porque a vida não precisa ter o nome de um deus
para cutucar nossa mesmice com sua beleza.

Certo incerto

Quando a certeza despede-se do medo
e alivia com seu vôo o que é
navegam-se mares possíveis
e o incerto veste-se de vida.

Morrem os túmulos claustrofóbicos
para que voem as borboletas.
As verdades fantasiam-se de dúvidas
e revivem
brincando como cores
em prisma iluminado de arco íris.

Jogue o horário do encontro
e afogue-o no vaso:
nossos olhares se encontrarão no horizonte
alguma vez incerta numa noite com desejos
e teremos a certeza da vontade
com as bocas esfomeadas pelos beijos

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Pressa


Alopradas as pombas buscam migalhas
e passam pessoas
pernas que trombam
calçadas, lajotas calçadas:
chamam de “rush”
as horas que passam.
Porque as outras guardam-se
feito intervalos e pausas
aquelas que nunca se cansam
de lembrar-me
como faz buracos
a tua falta. 

cristina

Te explico, logo escrevo


 Surge o outro

assim,
do nada
mas de dentro
ou eu sei lá:
e toca o espaço
com olhos de vulcão
então
e somente então
percebo que escrevo para ele
porque surgem as palavras
com dono
e me invadem como chuva de granizo...

Não dá para parar
o que eu não explico:
com código genético
e escrito
preciso urgentemente
um muro limpo:
algum amigo inteiro ou quebradiço
que ao fundo me receba
como louca
ou deixe (por instantes) que eu o queira
como faz em rebeldia
alguma fera...

Tarde

Degraus de pó
e colunas de tosco cimento:
cenário que às vezes invento
sai tênue
do pensamento.
Deve ser para fugir de algum momento
por entender cheio de teias
rótulos, cercas :
os contratempos.

É que deveras não são problemas
por ter sangue de contra indicados.
Ao contrário:
no contra tempo às vezes
acha-se o recado;
e voa-se como tarde
dessas à frente de um lago
(você sentado e mudo
as pernas dobradas em lótus
curtindo um abismo
contigo mesmo ao teu lado)

cristina

sábado, 3 de julho de 2010


  

[ http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://transitivo.files.wordpress.com/2009/10/violao-bucolico-cor-721.jpg]


 Bicho cria

Raridade entre os mutantes
                                            que andamos pela rua:
                                            rapaz
                                            alto
                                            chapéu
                                            e tênis rosa
                                            toca seu violão como poesia.

                                            Mesmo no barulho
                                            e correria
                                            acho que ressoa
                                            como cria
                                            Cria sim : de bicho
                                            meio fera.
                                            Solto numa selva
                                            ou preso à toa.
                                            Selva que é tão dele
                                            quanto minha.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Tu. Eu e algo.

Tu. Eu e algo.

Intercedeste como paralela
embora eu interpretasse
que uma nave em inquestionável
linha reta
atravessara a cidade.

(É claro que inconveniente
até
a janela da minha sala).

O espaço é fundo de cena
e a noite
quase poema.

Tu:
duas vogais em desastre
bruto
como um diamante.
Eu : como um duo em parte
teu, misturado ao descarte.

Claro pedaço de algo
meio que... reciclagem.

Vários sentidos sem nexo.
Sem lapidar.

Pura arte.

domingo, 20 de junho de 2010



Caso





Você pode achar que não houve


apenas eu


tive e fiz.


Ou mesmo assim


sem ter tido


azucrinei madrugadas


para mim mesma


com teu perfume.





Provável; dier,


provável é.





Vamos de novo aos quintais


perguntar tudo a esta vida:


o que é real


e o que é nunca?


O que é que é mesmo


a mentira?





O teu perfume de areia


ainda está:


eterna estréia.


Mas não troféu


treco morto.


Porque alinhavo e permito


todas as marcas que touco


e elas se ajeitam e gostam


de perdurar


como encostos...

cristina

sexta-feira, 18 de junho de 2010

SARAMAGO, foste embora mesmo?

                                              José de Sousa Saramago (1922 - 2010)

escritor português - Nobel da Literatura em 1988. 
entre outros livros, escreveu "Ensaio sobre a Cegueira", que foi o único livroseu que permitiu que se convertesse em filme, aceitando o convite de Meirelles, cineasta brasileiro.


"Somos todos escritores, uns escrevem, outros não".

" Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".

José Saramago

domingo, 13 de junho de 2010

Percurso



Porque não há trilho
moldura
ou espartilho:
deixe a cintura
o corpo
a semana.
Pare de medir entre segunda
 e domingo
vamos para a feira
sem carteira.

Vamos à bagunça
daquele que grita
e quem sabe agita
momento incerto.

Você não entende
que não sou linear: pulo como grilo
sem grilo ou trilho
e saio da raia
e faço é cantar.

Chorar?
Também choro –você que o diga-
mas nada de pontos
(talvez reticências )
de pontos finais.

Você não compreende
esta deforme - forma
que é
meu amar

cristina

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Todo Mundo Não




Não leio todo mundo
nem procuro ser gentil
no que tange à arte dos outros.

Os pedaços que de mim saem
tão solitários e escancarados
necessitados, quase sufocados
por arrancar alguma vida
do que teima em se recolher...
tão ingenuamente expostos
a si mesmos
tentando ter cara de arte
e arrastando todas as pontas
e extremidades
não lixadas pelo mundo...
Esses pedaços são muito hostis.

Assim tornam-se expressão
denunciante
do que por dentro arde
corrói
desfruta
e atiram suas palavras nos outros
para sobreviver...

Minhas partes pouco amenas
como águias esfomeadas vem à Terra
roubam olhares
saltam buracos em cercas
invadem reuniões
e ainda bem;  me resgatam
como rede no oceano que pesca tudo
e volta a se despejar no mar.

E assim
sobrevivo.
E quando gosto
é porque alguém (provavelmente sombrio)
me surpreendeu como um vinho
me desatou sem tesouras
me desnudou
sem tocar.

E como em tantos e tantas
a minha parte mais viva;
então
resolveu
retrucar...

cristina

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Caminhos

Há caminhos banais e toscos como muros.
Não muros grafitados
mas limpos,
lisos como azulejos
sem diferenciais.

Por não querê-los
escalo viadutos nas cidades cheias
nas luas perdidas
nas partes de mim.
Atropelo pombas
em quintais vazios
e volto às ruas
com o peito chiando
em dor
por não ter nada.

Por não conseguir assimilar
o código do outro como solicitado
para dar forma à paixão
e domesticá-la
e guardá-la em vidros
para hibernação.

Dói a dor
de não ser explicito
não por não ser
mas por ter que fingir
tantas e tantas vezes
para poder cruzar
entre os robôs que mordem.

Por isso é que às vezes
saio como tantos
e os encontro soltos
e há encontros cantos
fáceis e dormidos
feito luas novas...

É por isso mesmo
-sei que sou mais uma-
e é que somos tantos
mas tão sós
e mudos...

cristina

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Por dentro e ambíguo

Fabrico algumas queixas dentro deste cilindro.

O grande problema às vezes
é não saber para onde dirigi-las
porque um cilindro é um corpo
e o resto
sorte evolutiva.

Inteligência, memória,
pensamento;
cognitivo,
percepção
acolhimento:
um refúgio
dos coitados sentimentos
sem retórica -a não ser-
pelas feridas que os sustentam.

Ou as rápidas,
felizes investidas
acolhidas
perceptivas
cognitivas
dos refúgios
dos enormes sentimentos
com eufóricas retóricas
de alento :
esses loucos atrevidos
sentimentos
que te invadem e te engolem
com a vida.

sábado, 5 de junho de 2010

Ele mexeu nela...


Ele mexeu nela como se fosse uma gaveta com objetos antigos, desconhecidos, dessas gavetonas esquecidas que dá gosto revirar. Não havia hora nem momento, cutucou-a por e-mail, por cartas eletrônicas: palavras e poemas alguns astutos e repletos de cordas sensuais para que ela mesma se enforcasse.
Essa história de se maltratar faz parte de algumas muitas mulheres por ancestralidade : já pensei que poderia ser uma tendência à maneira como resolve-se a sexualidade na infância; o mistério que nasce da repressão das avós, das mães mal resolvidas ou ausentes às convergências femininas entre elas e as filhas. Não importa agora, vamos continuar a rever o percurso da moça com esse amor unilateral, virtual e portador de deficiência.

As correspondências tinham um ar de loucura desvairada em paixão acalentada por algum tempo no anonimato : ele a conheceria pela literatura dela (de qualidade até duvidosa porém exaustiva e presente na internet) e ela não sabia quem ele era. Até que os dois encontraram-se virtualmente e ela ... sozinha na vida saindo de um amor por opção (desses amores mágicos que tornaram-se cansativos, repetitivos, cheios de fatores seguros que matam qualquer paixão) então, ela... jogou a chave da porta ao estranho para que ele entrasse, invadisse, usasse seu quarto interior como quisesse e assim a domasse como a uma fera que solta queria correr pelo mato.

Entendamos: este quarto não passou do mundo virtual.
Ele comparecia com sinais de horários quase estabelecidos, ela também. Comiam-se mentalmente e talvez, em horas de intimidade as coisas assumiam rumos conhecidos de todos nós. As camas, as paredes, os lençóis: todos eles distantes uns dos outros, como manda o mundo virtual.

Ela sabia voar entre os prédios na hora de ir ao trabalho e reconhecia-se na felicidade como mais um passageiro, aliviada das tensões de ser mãe (mesmo com filhos independentes) e solta para mandar os outros pro diabo no trabalho, caso precisasse: o mundo assumira uma cor de primavera que fazia tempos ela não experimentara.

Mas a distância e a falta do toque começaram a fazê-la pensar. O pensamento: esse bisturi autoritário que tem diversas funções- desde virar tábua de salvação em naufrágio de qualquer natureza, a estragador de prazeres no meio de uma masturbação, fez-se presente e quem sabe, hoje penso (como ela afirmou): foi o que a salvou...
O pensar, tão necessário e estruturado quando passa -se dos trinta anos, pode reverter as coisas de qualquer gaveta, fazê-la fechar, fazê-la esvaziar-se e jogar todos os mistérios no chão para descobri-los rapidamente e acabar com o romantismo de qualquer um. Ou uns.

Só que : ele também pensava, e muito. E suas mãos (as dele) através das dela atingiram seus (os dela) seios nos bicos intimidados que viraram sedentos e devoradores, e  percorreram sua pele fria e quente (a dela) e a agarraram com fome de invasor sem pedir qualquer licença, levando-a a se estremecer toda no chuveiro, na cama, na cadeira, no sofá, na mente...Ele a invadiu com ar de dono de tudo sem respeitar as chaves jogadas no chão: ela mais aberta do que flor no verão, do que oceano para a terra porque não poderia ser de outra forma.

E então sumiu (ele, é claro).

Desapareceu do mundo virtual por obvia lógica pontual e porque pensar é isso: mal resolve o pensamento as questões cardíacas.
Vejam : se ele não tivesse sumido, ela o teria feito, por várias raízes que existem firmes  hoje segurando-a ao mundo não virtual, e por causa do pensar, como já expliquei.
Pergunto: como dizer que o virtual não é real? Não é à toa que dizemos “realidade virtual”. Ela que o negue, se conseguir.

Mas não, ela não nega.

Na estação de metrô eu vi uma obra de arte que encaixa-se perfeitamente nesta história, ou a história encaixa-se muito bem na mensagem da obra : duas pernas de manequim feminino viradas para cima, com os pés juntos no alto, amarrados por fios de computadores, com muitos “mouses” espalhados na base, teclados em várias posições e uma frase: “eu te como com os olhos”.

Não posso saber exatamente o que ele viveu. Eu creio que ele simplesmente mexeu na gaveta, como se fosse nos lábios todos dela: os grandes, os expostos, os pequenos, os que residem embaixo e os que escondem a língua. Mexeu por crueldade, por solidão momentânea (pois depois ele contou que tinha uma amada) e também por estar vivo, por desejo, por luxúria, por atrevimento, por pensar só nele... e porque era belo e cativante como uma lua.

A questão é que existe uma coragem estranhíssima nas mulheres atualmente: ela deve ter surgido de tantas bisavós suicidas que não resistiram ao machismo e deram fim às suas histórias, mas deixaram os genes de resistência à dor, ou então porque as mulheres vacinam-se umas às outras e elas mesmas desde que começam a se comunicar, a passar as sensações na verborragia adolescente que estampa suas vozes de fêmea; conseguem criar uns anticorpos loucos por oxigênio e vida, que as tira dos ferros do desabamento.

E as salva dos (literalmente) ferros que levam dos masculinos pênis quando estes são do tipo de pênis que nada faz para dar-lhes prazer. (Esclareçamos que esses ferros que pertencem a esses machos- dos quais a personagem masculina desta história não faz parte- que pensam que as comem como estômagos, esses machos são responsáveis por anticorpos que injetam nas fêmeas sem sabê-lo, e que as fazem fortes e resistentes. Isso, hoje em dia. E se elas deixarem, e se elas se permitem através da invasão da vida em suas entranhas femininas).
 Mal sabem esses ferros como são úteis, como podem ajudar sem saber e como, no fim das contas, eles mesmos é que desabam. Sim, porque dependem dos músculos que tornam-se flácidos com o tempo. Esses ferros causadores muitas vezes do desabamento das mulheres (por abandono, quase sempre) rapidamente acabam sendo compreendidos por elas como simples ferrinhos que podem ser substituídos. Mas enfim, como já disse : não é o caso da personagem masculina desta história.

Ele, ao contrário, parece sensível e perceptivo da alma (humana) mas quem sabe, nem se importa com a essência feminina (dela).
Como ela sabe-se capaz de criar com a imaginação situações loucas para ela mesma, e esta é uma forma de sobrevivência, hoje respira fundo e percorre a cidade com um prazer de tigre à caça, sem no entanto escancarar a sua carência, que somente estará estampada para aqueles que, singelamente, a percebam.
Certamente, não será no planeta virtual, porque precisará de muitas décadas para aceitar outro invasor.
Há uma questão complicada : a invasão do peito através do mundo virtual é repleta de obviedades e quando banal; torna-se insuportável. Por isso é bem importante, para compreender o final desta história, que entendamos que a nossa mulher aqui ultrapassara há muito tempo a complacência e tolerância desses viajantes virtuais, conquistadores baratos que dizem : “de onde vc é? O que faz da vida? Como vc é?” e então logo a próxima e resultante, obvia pergunta: “Como vc está vestida?”
Não : ela já ultrapassara isso há muito tempo. Isso a fazia automaticamente matar (virtualmente) o conversador. 

Esse foi o problema dela. Ele, o tal sujeito re mexedor de gavetas e quartos escuros, era prazeroso no real sentido da palavra. Nunca perguntara como ela estava vestida, o que fazia da vida, de onde teclava, amava, esperava...

E então?

Como ficam os vôos matinais, os tapetes mágicos, os sonhos de inverno?

Voltou ao espaço dos dois: ela criara um monte de coisas, embora não deixando nunca que o pensamento fosse embora, tentando sempre resgatar a realidade da situação, ela deixara que a esperança de uma relação...Ôps! que merda: “ a esperança de uma relação”.... sim, essa foi a merda.

Quando na espécie humana (e isto serve tanto para os homens, quanto para as mulheres) uma esperança , tipo um sonho que ainda não nasceu, abastece os órgãos genitais a ponto de irradiá-los rapidamente, subitamente com fluxo sangüíneo esquecido e faz deles a urgência a ser resolvida, e quando então você retira-se para a intimidade e dá-se a oportunidade de explicitamente gozar a vida...esse sonho que ainda não surgiu invade as demais estruturas anatômicas loucamente, atinge o cérebro, a boca, os olhos, o estômago e as vísceras escondidas, arromba todas as possibilidades de esquecer e leva à sensação maravilhosa de estar vivo, de existir e valer a pena, de sair do inferno enferrujante da rotina e do vazio do consumo (tanto o necessário quanto o desnecessário)... então você se convence : está amando.

Dependendo da situação, você diz: paixão.

E ela, no momento em que se convenceu de que havia sido obvia, havia sido gentil demais com alguém que a seqüestrara da realidade...percebeu que matara toda possibilidade de sonho, relação, mágica, tensão. Tesão.
Ou então: esvaziou-se a mágica como por mágica, e perdeu-se o sentido do que não tinha um sentido assim, banal. Ensaiou retirada e pensou em sumir. Mas antes disso, ele sumiu.

Ainda bem.

Doloroso como tudo que é belo, e não nos pertence.
Vai uma aí? Sim, vai uma orquestra de prazer sozinha (pensou ela) escondida na noite do pensamento sem qualquer indício de lógica ou resgate. O único resgate possível na hora da morte no universo virtual, é o prazer.
Mas o prazer encarnado em terminais nervosas que percorre o esôfago, as nádegas, as pernas, a pele do colo, os seios, a cintura, a virilha...em outras referências...todas as localidades cheias de palavras obscenas que você possa imaginar, e que não as digo aqui por uma simples e única razão:  elas são palavras sublimes demais, que só posso usá-las quando em íntimo acesso a dois, que me elevam ao tempo dos sentidos em sua máxima expressão, e que no caso dela... certamente, foram a salvação!

Hoje? A vacina fez seu efeito, sem efeitos colaterais. A melhor coisa. Ele? Sei lá. Deve estar à mercê da sua amada, ou com vontade de viajar. Não importa, a nossa questão inicial era ela. E como ele a ajudou, provavelmente sem saber, mesmo pendurado de sua esquisitice auto preservadora, a criar mais anticorpos
de resistência. Que no entanto não a impeçam do direito de voltar, inúmeras vezes, (de qualquer jeito que escolher) a delirar de prazer.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Amar



É como um tiro escutado
que quando dói
já passou,
aonde vão os gemidos?
Eu nunca sei.
quando recolhe-se o pó
ele procura germinar
e de repente
na esquina
você acredita em delírio.
Mas faz sentido:
as todas partes que guardas
como um pacote
com frio
vem te salvar e te dizem:
essa porcaria vai passar.
E você nem quer tanto assim
que passe
mas quer de novo
outra vez
recomeçar.

Como criança que brinca
com o brinquedo quebrado:
é melhor do que não ter nada.
E é de praxe:
imaginar.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

É. Foi mesmo.

Creio que ele disse
preciso quebrar você
e então perguntei ;por quê?
e respondeu
para ver o que tem dentro

e viu.

segunda-feira, 31 de maio de 2010


Cansaço

Nosso cansaço existencial interpõe-se
emudecendo
  atordoando
    esclarecendo
dolorosamente
 vagarosamente
como o corte na carne
atiçando a indiferença
para apagar a lua.

Não há delicadeza possível
no quintal desse cansaço
a não ser a rigidez da verdade
o infernal sufoco do real
e os pés embrutecidos da existência.

A dor do desencontro
tornou-se maior 
e mais confiável
do que a alegria intransigente
do encontro;
porque existir é angustiante
e impertinente
como andar na corda bamba do equilibrista.

Mas creio que devo tudo
ao lado irracional que me adivinha.

Porque apesar da lucidez
tão dolorosa e inquisitiva tenho o desejo
que me leva até a janela para mostrar
a lua fria.
E porque a falta,
ésta que dói
na angústia minha do existir
não chega aos pés da paixão torpe
(e gosto enorme, gosto estranho)
por algum
e pela vida...
                                            "Stylo", de Gorilla.

AMARRA

Amarra-nos o culto ao civilizado
como se fosse milícia
e atiro
para todos os lados
tentando a salvação.

Dentro de um plástico respiro
e embaçados são os lamentos de tantos
e tantos.

Às vezes não dá para esperar.

Muitos aterrorizados olhos compactuam
com a ordem
sem transgredir:
às vezes eles conseguem esperar.

Quero meu grito de volta
nada de projetos idiotas
pendurados para secar
no varal.

Creio no dia que amanhece
na madrugada porque é presente.
Nos momentos:
e nada mais...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Nádegas

Algo nos faz passar
e passamos
algo pesca tuas nádegas
e faz com elas balsas
e arrecada beiras de cama
algo
alguém
alguns
algas de mar como folhas
carrego nas minhas entranhas
e sei desta dor que barganha
com sede
a minha existência.
Dou-lhe talvez a insistência
os anos
a casa e as mágoas.

Para andar
preciso delas
e andar o mundo
é a única garantia
de estar viva.

(se ela não anda, ela
vê. Se não, ela toca.
Se navega, nádegas.
E senão:
boca).

Nádegas que me carregam
por favor
fiquem e fiquem
e andem comigo
e sintam
e corram!



Não

Entenderia que jogasses fora um monte de anos
por fotos
álbuns
passado.
Uns colchões surrados, usados
e do teu amor
mais agarrado.

Entenderia
porque já joguei os meus, outras vezes,
e porque o tempo não diz
o que é válido.

Diz mesmo o que é amar;
esse incômodo no peito
que não pode ser contado.

No lado de dentro do abdome
como um recado mal guardado.

Nada avaliado, duro de roer
que não sai
não se conforma
com poucos pecados.

Então : entenderia.

Mas não consigo entender que você jogue
nossos poucos momentos
tão alucinados.

Porque amor tem um lado
ancestral
e complicado:

amor volta
se mal exterminado.
Amor,
é danado.

Saturno

Saturno era um negro gigante.

Cantava com voz de caverna

e eu

e meu irmão

interrompiamos

a aula de canto do meu avô

com as nossas risadas.

O mundo era enorme

desconhecido em tudo

e as esquinas tinham segredos

e mágicas

e aventuras.

Meu avô nos ensinou coisas estranhas.

Clave de sol, música e acordes.

O piano ocupava a sala toda

onde ele recebia os alunos.

Nós faziamos arte

-de gente grande-

no jardim

e morriamos de rir dos astronautas

que brincavam conosco.

Visitavam nosso barco

cowboys bonzinhos

e detetives

e dançarinas.

Conseguiamos fazer as épocas

sem gastar com figurinos

e percebiamos os anos

os perfumes

as tocaias.

Todos os deleites de nossas histórias.

Criávamos os tempos com acertados detalhes

e um dia disseram-nos que os sábados

brincados

acabaram.



Soldados esquisitos armaram-se nas ruas

e as noites eram curtas

e não podia mais

haver calçada

com luas

campainha do vizinho

e primos correndo

conosco.


O país (como outros)

ficou em sombra

e muitos amigos da casa que via

nunca mais vi.


Eu não entendia direito

pessoas falando em segredo

e livros queimando no quintal.


Saturno não veio mais

cantar.


Hoje sei

de veias abertas,

de viradas de mesa

e coisa

e tal.


E que o barco dos piratas do jardim

existiu.

Assim como o foguete que partia

com cheiro de bolo

do fundo do quintal.

Sim.

Existiu sim.